segunda-feira, 10 de março de 2014

Carnaval é coisa séria

Por Gabriela Cardoso

Este título pode parecer estranho à primeira vista. Mas afirmo, ao menos, que Carnaval é coisa de gente comprometida. Principalmente no Recife e em Olinda. Comprometida com a folia, com as fantasias, com a produção, com o ganha-pão, com a religião.

Uma das evocações cantadas pela Nação Maracatu Tigre diz assim: “Carnaval tem seus direitos, quem não pode brincar que não se meta!”. Somente esta frase já daria uma tese. E, com certeza, muito já se estudou sobre o Maracatu, por exemplo. Mas o meu objetivo aqui é apenas registrar algumas impressões deste Carnaval que muitos chamam de “melhor do mundo”. Tarefa suada!

A multiplicidade de pessoas, cores, ritmos, manifestações e brincadeiras é tão grande que há de se estar atenta para não perder nenhum detalhes. Mesmo assim é impossível ver tudo. As andanças foliãs podem estar muito condicionadas ao(s) grupo(s) que se decide seguir, sejam blocos, shows nos palcos ou amigos.

Em 2011, na minha segunda ida, acompanhei o bloco “Segunda Tem Palhaço”, que sai da Rua da Moeda, no Recife Antigo, por exemplo. Decidir entre passar os dias em Olinda ou Recife já é difícil por si só. Apesar dos shows mais badalados, organizados pela prefeitura, acontecerem nas noites e madrugadas do Recife Antigo, durante o dia muita coisa acontece por lá também. Nas duas cidades (separadas pelo Rio Capibaribe) tropeça-se em blocos e bandas sem fim!

Há quem prefira passar as tardes em Olinda e as noites no Recife. Mas tenho minhas dúvidas do que seja melhor realmente. Creio que terei de ir mais vezes para decidir!

Olinda é realmente linda! Uma cidade que pulsa história e arte, e que tem vistas incríveis do alto de suas ladeiras. Agora, o Carnaval é tudo-muito-agora! Uma coisa realmente extraordinária! Para o “bem” e para o “mal”. Para a alegria e para a sujeira nas ruas, para a brincadeira e para o abuso, para a diversidade e para a exploração de classe. Afinal, o capitalismo também se alimenta da festa.

A maior parte das pessoas que frui o Carnaval é de classe média, turistas e locais, que podem pagar pelos serviços. Já quem trabalha vendendo coisas são os moradores pobres e negros das periferias e do interior do estado.

Mas estas pessoas também têm seus momentos de glória. Por exemplo, nos desfiles das Nações de Maracatu. São espetáculos suntuosos, onde estão presentes a tradição dos africanos nagô e dos bailes reais da corte portuguesa. As Nações são oriundas, em sua maioria, de terreiros familiares nas periferias de Recife e Olinda. São compostas por estandarte, orquestra de alfaias, caixas, ganzás e agogô, pelos passistas, puxador(a) dos pontos de louvor aos orixás, pelo rei e pela rainha, e por aquele que segura o guarda-sol sobre a cabeça da realeza. É uma representação de um desfile imperial, composta por negros das comunidades. E o figurino é riquíssimo, cheio de cores, veludos, brilhos e rendas. Mulheres e homens usam vestidos armados rodados, e dançam e giram ao som do batuque. Um espetáculo de encher os olhos!

Vale ressaltar que muitos dos homens fazem parte das nações como passistas são gays e travestis, desde jovens. Com isso, o desfile se torna um momento especial de expressão da diversidade.

E voltando a Olinda, não posso deixar de dizer que, em certos momentos, a cidade vira mesmo um grande mercado de carne humana. Literalmente, não há espaço para o recalque. Às vezes parece um show de horrores, como a tradicional festa dos tolos europeia. É muita gente mesmo! O tempo todo, o que abre espaço para todo tipo de “sem noção”! Mas é o ônus do Carnaval...

Mesmo assim, é lindo, encantador, arrebatador! É um momento fundado pelo pensamento mágico humano e pelas nossas raízes indígenas-afro-ibéricas. Os limites entre profano e sagrado se tornam muito mais tênues.

Há muitas crianças, por toda parte. Para os pernambucanos Carnaval é obrigação, é dever religioso, é família. Tudo respira festa! Não é como em São Paulo, onde Carnaval de rua é resistência de alguns guerreiros do amor contra a cidade careta. Se bem que percebo que este espírito vem crescendo a cada dia na capital paulistana. Que bom!

Mas em Recife/Olinda as pessoas nascem e se criam no Carnaval, geração após geração. Eles só perdem a grande festa por motivo de força bem maior.

O que mais posso dizer? Muitos amigos, muitas pessoas interessantes e lindas, mesmo nos momentos mais crus. Um evento de grandes proporções, onde é muito melhor sair fedendo do que morrer limpinho e cheiroso!

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