segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Domingo na Marcha – uma reflexão do coletivo passa palavra sobre o Fora do Eixo ou, de boas intenções o inferno está cheio…

Para quem está a fim de ficar por dentro do debate sobre o Fora do Eixo, e tiver tempo e paciência para ler cinco artigos densos, vale a pena acompanhar essa série em cinco partes (parte 1, parte 2, parte 3, parte 4 e parte 5) do coletivo passa palavra, de 2011. Os textos são uma resposta bastante séria, com um nível intelectual altíssimo e radicalidade de pensamento de esquerda muito bem vindos, a um ARTIGO bastante fraco da Ivana Bentes em defesa do Fora do Eixo. Um artigo que pode-se dizer que representa o pior daquele pós estruturalismo que, revestido de defesa do novo, na verdade é uma roupagem descolada e cool para a boa e velha manutenção de privilégios.

De quebra, o texto tem uma análise curta do Tropicalismo que é a melhor que eu já vi sendo feita pela esquerda, rompendo com os esquematismos fáceis. Algo assim: o projeto liberal ou libertário do Tropicalismo na época era uma verdadeira alternativa a esquerda, considerando que direita e esquerda coincidiam em diversos aspectos, com seu teor nacionalista, autoritário e ideólogo da modernização. Como tal, foi rejeitado por ambos e não se realizou politicamente, embora fraturasse irremediavelmente a cultura nacional. Passado quarenta anos, a esquerda não mudou (ou pior, aquela esquerda de lá é o Estado de hoje), e o capitalismo passa a se realizar a partir do gerenciamento de agendas libertárias - o imperativo do gozo. Ou seja, o grande nó ideológico do nosso tempo: que o capitalismo realiza-se ali mesmo onde seria o espaço de sua contestação, sendo que a esquerda se converteu em espaço de cooptação e a crítica progressista é o modo mesmo como o capital se realiza. Ou seja, é por ser um novo modelo libertário contestador que põe em cheque práticas regressivas que o Tropicalismo se realiza a direita (posto que a esquerda entra em cena como organismo de cooptação burocrática). É por ser crítico e avançado, e não por ser alienado ou conservador, que realiza mas perfeitamente o desenvolvimento do capitalismo, que adora uma boa inovação crítica. Um belo exemplo de como a verdade é o lugar próprio da ideologia. [As consequências dessa visão são perturbadoras, pois se é a radicalidade que realiza o capitalismo, como fica a questão do valor, uma vez que o mais crítico pode ser o mais reacionário e vice versa?]

Depois desse começo fantástico, os artigos são uma verdadeira aula de como se fazer crítica radical contundente, sem apelar para esquematismos ligeiros e sem fugir das contradições. A questão vai ser como o capitalismo passa a funcionar na pós-modernidade a partir de um modelo de cooptação de suas críticas, que se transformam em novos modelos de comportamento e padrões culturais. Como a contracultura se converte em seu contrário, na medida mesma em que traz avanços para a luta em relação a métodos engessados e aparelhamentos da esquerda. É nessa chave que é lido o FdE, a partir de uma análise cuidadosa da transformação do modo de articulação da indústria cultural (entra aqui até uma análise do mercado do tecnobrega), que funciona a partir do princípio de flexibilização e gerencialmente de mercados descentralizados, modelos agora menos lucrativos. Uma forma de concentrar saber e poder e, sob a desculpa de produzir novos modos de “viver” e “fazer”, criar nichos de mercado, dominar técnicas de acesso a recursos públicos que pretende se legitimar socialmente usando as Marchas da Liberdade como meio. Além disso, o artigo mostra como essa novidade do FdE se articula com o projeto de precarização da cultura no governo Lula, sob o ministério de Gilberto Gil.

Essa série de artigos é fantástica porque oferecem uma resposta consistente para aqueles que acusam a esquerda de preservar velhos dogmas. Aqui fica mais do que claro e evidente que não se trata de negar a radicalidade do novo, e sim reconhecer o problema fundamental da sociedade pós fordismo, pois que é nessa radicalidade que o capitalismo melhor se realiza. Hoje, mais do que nunca, é como se o inferno fosse povoado apenas de boas intenções, a tal ponto que, desprovido de função, o paraíso deixasse de existir. Ou seja, não se trata de negar que esses novos modelos não operam transformações importantes que podem ser lugares desicivos de contestação. Mas compreender que o capitalismo atual não funciona a partir da negação do princípio do prazer, mas antes ressignificando o gozo a partir de seus parâmetros, transformando os 0,30 centavos em espasmos de gigante adormecido.
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