terça-feira, 14 de junho de 2011

Da legitimidade da realeza: Roberto Carlos como emblema da nacionalidade [1\3]

Esse é um artigo que eu escrevi para uma revista acadêmica, já aprovado e publicado em breve. Segue com algumas adaptãções para o formato blogueiro.
1. O entre-lugar da realeza
Roberto Carlos é o cantor de maior sucesso do Brasil. Sua popularidade é incontestável, atestada por seus impressionantes números de vendas – é o mais vendido do Brasil - e por sua ampla difusão no contexto popular, sendo, por exemplo, um dos raríssimos casos de um intérprete que possui um programa de rádio dedicado inteiramente a sua obra. E não apenas em uma, mas em diversas cidades brasileiras, especialmente no nordeste. Tudo o que se refere a sua difusão e penetração na cultura popular - desde o início de sua carreira, mas especialmente quando, a partir dos anos 70, decide investir no gênero romântico - assume dimensões continentais.
Por outro lado, e talvez na mesma proporção de sua ampla difusão, é notório o sentimento de rejeição em torno de sua figura. Circula por aí uma anedota bastante emblemática, relatando que, certa feita, um dos medalhões da MPB (um dos grandes) foi questionado sobre o que ele achava do Roberto Carlos, no que ele teria respondido que este era o nosso melhor compositor de música ruim, arrancando risos. Risos entre pares, evidentemente. Para muitos críticos, formadores de opinião em geral e artistas com direito a voz (uma seleta parcela) no interior do debate estético, RC é o maior representante da música de entretenimento, cujas principais características são sua baixa qualidade e ampla difusão.
Para essa linha de pensamento, RC é artista menor porque faz música de massa, mera reprodução do que já existe, dos mecanismos de auto-reprodução do sistema capitalista no plano cultural. Artistas desse calibre, se é que podemos considerá-los enquanto tal, são incapazes de elaborar uma obra consistente e com força estética - apesar de sua inegável importância comercial, posto que seu alto índice de vendagem sustenta o investimento da gravadora em artistas que vendem menos a curto prazo, mas possuem um público fiel que a médio ou longo prazo recuperam o investimento. Ou seja, esses grandes vendedores de porcarias musicais de toda sorte seriam uma espécie de estepe que sustentaria a produção estética dos artistas de verdade.
A princípio, fragilidade da obra desses produtores de cultura de massa estaria em dois aspectos principais. Primeiro, porque são simplesmente reprodutores das modas ditadas pela indústria do entretenimento, incapazes de propor uma linguagem que traga em si um projeto de racionalidade identificável em cada uma de suas partes, sem condições, portanto, de criar em sua obra algum sentido de totalidade. Segundo, e intimamente relacionado com o primeiro aspecto, porque esse modismo ditado não pelas necessidades internas do material musical, mas por ditames mercadológicos externos, não tem força para captar a dinâmica da sociedade brasileira, não está organicamente relacionado com nosso processo social, ancorado como está no princípio de fragmentação capitalista, de tendência universalizante. A fragilidade da canção de massa seria, pois, de dupla mão. Uma de ordem interna, da organização dos elementos, e outro de ordem externa, no plano da inorganicidade com a matéria histórica, posto  que o valor de troca, em sua inclinação para a negação do substrato material, é o núcleo dessa arte mercadológica. O resultado é uma obra que, além de mal resolvida estruturalmente, não tem nada a dizer sobre nós mesmos, mantendo um caráter meramente ornamental.
O que tentaremos fazer ao longo dessas páginas não é negar a força e radicalidade desse olhar eminentemente negativo – embora acreditamos ser absolutamente necessário acrescentar algum elemento mediador entre o conceito de indústria cultural propriamente dita e seus produtos, tal como o princípio de hegemonia gramsciano, entendendo a cultura de massas também como um campo conflituoso – e muito menos negar o quanto tal percepção, de matriz adorniana, trouxe de contribuições fundamentais para o estabelecimento de um olhar mais crítico sobre a cultura. Entretanto, ao procurarmos retirar a carga excessivamente negativa imposta sobre RC (eleito como símbolo maior da cultura de massas nacional), procurando desvendar as motivações e reduções ideológicas implícitas nesse movimento, estaremos inevitavelmente empreendendo um exercício de relativização da negatividade desse conceito. Porque é importante deixarmos claro desde o princípio o seguinte aspecto: a “defesa” que aqui se fará do rei não será a mesma empreendida pela indústria fonográfica, quando esta deseja conferir uma carga de legitimidade a algum artista popular, aproximando-o da esfera de maior capital simbólico[1]. Não iremos, pois, aproximar RC da MPB. RC será também considerado aqui como um artista típico da cultura de massas. Só que, além disso, iremos considerá-lo também um grande cancionista, de importância decisiva no interior da história do desenvolvimento da canção nacional, cuja obra estabelece um íntimo diálogo com questões nacionais. Movimento que necessariamente coloca um elemento de tensão tanto na noção de autoria quanto na concepção de nação proposta. Assim como tenciona o par cultura de massa x qualidade estética, geralmente considerado enquanto grandezas inversamente proporcionais.
2. Os mitos da modernidade na canção popular
Desde seu primeiro LP voltado para o rock (Roberto Carlos, 1963), claramente arquitetado por Carlos Imperial na bem sucedida tentativa de criar uma versão nacional do pop rock americano, RC é ao mesmo tempo sucesso de vendas (são desse álbum os grandes sucesso Parei na contramão e Splish splash) e alvo de críticas, que só  tenderam a aumentar com a radicalização do processo político e dos ânimos no âmbito da cultura. Querem acabar comigo\nem eu mesmo sei por que. Acreditamos que por detrás da maior parte das críticas, a noção de importação ocupa lugar de destaque, sendo aquilo que irá retirar definiti vamente sua obra do caminho proposto pela chamada linha evolutiva da música popular brasileira, termo cunhado por Caetano Veloso, já no período Tropicalista, em grande medida visando defender o caráter nacional da Bossa Nova, João Gilberto em especial[2].
O principal problema com a produção de RC, dessa perspectiva, é seu caráter de importação direta de modas e procedimentos estéticos que, obedecendo mais ao ritmo das mercadorias que a uma real necessidade de desenvolvimento dos materiais, não leva em consideração nem a necessidade local dessas formas, nem o processo de desenvolvimento estético nacional. Trocando uma moda importada por outra, RC produziria um conjunto de canções descartáveis que só sobrevivem por seu alto teor de exposição, confundindo definitivamente exposição e qualidade, num exemplo perfeito do esquema clássico de funcionamento da Indústria Cultural: repetição, reconhecimento, aceitação[3]. As canções do rei seriam frutos de um processo alienado de produção cultural, não por se utilizar de formas importadas, simplesmente, como queriam alguns críticos como José Ramos Tinhorão, mas por realizar essa operação sem o necessário e complementar processo antropofágico de transmutação desses elementos a partir das necessidades locais. Essa necessidade de transfiguração é um imperativo para as culturas periféricas, com o risco de se produzir uma mera macaqueação, uma moda passageira. Mesmo após o período de importação direta do rock essa característica se manteria em RC, só que agora sofrendo adaptando-se as mais variadas proposições da industria cultural.
Sem negar essa dimensão mercadológica negativa da obra de RC, que em muitos momentos de fato obedece a esse princípio de estandardização reificada, é preciso prestar muita atenção ao seguinte aspecto da questão. De fato, concordamos com a perspectiva materialista, para qual é decisiva a questão de adequação formal à matéria histórica, com riscos de mitificação do material estético em um universalismo reificador. Entretanto, as formas possíveis dessa adequação estão sempre em aberto e, a partir do momento em que se parte para uma definição dos conteúdos tanto do nacional quanto dos respectivos modelos de adequação formal, corre-se o risco de transformar uma perspectiva especificamente ligada a determinado contexto em totalidade. Ou seja, ideologia. Eis o risco do conceito de linha evolutiva, que ainda assim tem a vantagem de apontar para a necessidade de formulação interna da problemática nacional na canção popular, mesmo que indiretamente. Os problemas aparecem justamente quando começa a se estabelecer quem são aqueles que participam da linha, criando uma narrativa linear em que as continuidades interessam mais que as rupturas. Questão essa que será justamente o centro dos debates políticos e estéticos do Tropicalismo. Cria-se um campo de oposições onde quem não participa de tal linha, previamente definida a partir de um olhar retrospectivo, necessariamente produz uma obra sem relevância nacional e potencial estético, dimensões essas que se confundem. Além do que, no caso específico de RC, toda a tradição de música romântica nacional que passa pela modinha, pelo bolero, pelo samba-canção, pela cancione de inspiração italiana, etc, formas que sofrem toda uma série de deslocamentos nacionais no geral desconsiderados a partir do critério de mau gosto e inadequação (sintetizados pelo conceito de brega), é colocada em segundo plano em relação à verdadeira canção brasileira (de qualidade) que passa do maxixe para o samba e para a MPB, na construção narrativa da modernidade brasileira via canção, que cria ao mesmo tempo suas rupturas (MPB) e origens (samba).
É necessário, portanto, desconstruir imediatamente os enunciados negativos sobre a produção de RC, colocando-se a seguinte questão: a partir de que espaço de fala pode ser considerado que RC não é um autor nacional, no sentido estético e ideológico dos termos nacional e autor? E obedecendo a quais ordens de interesses emite-se tais juízos?
2.1 – O mito da Autoria
Os “autores” por excelência.
Como vimos, a recepção crítica de RC passa necessariamente pela questão da importação (bem evidente no período Jovem Guarda, mas que se manteve com a opção do artista pela música romântica de arranjos orquestrais não percussivos, de inspiração americana), e de sua incapacidade de adequar a matéria exterior a uma forma local. Tal exigência tem por pressuposto implícito a ideia de um sujeito que organize esse material e lhe confira novo significado, a partir de um projeto de ordenação estrutural. Uma subjetividade “forte” que faça contraponto artístico às necessidades puramente mercadológicas. Em suma, a estratégia de legitimação dessa posição passa pela afirmação de determinada concepção de Autor (o samba procura legitimar-se a partir de outro princípio, como veremos), que possibilitaria a reordenação dos elementos em uma obra até certo ponto, autônoma. RC, evidentemente, não entra nesse campo de representação, a partir dessa perspectiva que busca destituí-lo do trono.
Entretanto, a questão se complica quando pensamos que, em certo sentido, a própria forma canção brasileira constitui-se a partir de um princípio que não obedece ao de autonomia, relativizando, consequentemente, a própria função Autor, que não pode então ser tomada como critério de valoração estendível a toda produção estética nacional, em especial naqueles casos que não se baseiam no mesmo princípio de composição. Em suma, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e RC não é João Gilberto. E nem precisa[1].
O estabelecimento desse tipo de racionalidade no campo da canção popular se dá a partir dos anos 50 com a turma da Bossa Nova, e consagra-se com a geração MPB, inaugurando o que se costuma chamar de a modernização da canção popular brasileira. Com sua revolucionária batida de violão [2] e seu modo novo de pensar a matéria musical, João Gilberto inaugura uma nova postura frente à canção, tomada agora como resultante de um trabalho intelectual crítico. Com ela, o como se faz passa a frente do que se faz – ou seja, aquilo que até então estava ao fundo no projeto do cancionista passa à frente. Por isso - eis a nossa hipótese – a MPB, enquanto herdeira do gesto da Bossa Nova, será prioritariamente um modo de fazer, que insere no campo da canção brasileira a noção de autor (no mesmo sentido em que se usa o conceito de cinema de autor, em contraposição ao comercial), que recupera no interior desta uma noção de autonomia possível. MPB é, pois, um conceito amplo que tem a capacidade de comportar quaisquer gêneros existentes, desde que, por detrás de tudo, esteja em operação uma consciência crítica reflexiva. Essa é a raiz da apregoada modernidade da Bossa, e de sua rebenta mais próxima. A instauração de um sujeito reflexivo moderno (que não será o mesmo da literatura, mas com o qual guarda evidentes aproximações), no plano da canção popular.
É importante lembrar, entretanto, que uma das forças da canção popular está justamente no afastamento do princípio de autonomia – eis nossa hipótese - que permite a ela encontrar formas originais de resolução do impasse formal próprio às produções estéticas nacionais. Em linhas gerais, a matriz problemática da questão da autonomia no contexto brasileiro é a de que a condição material subjacente ao desenvolvimento da autonomia estética é a existência de uma subjetividade autônoma, que dá forma e se forma a partir de um projeto de racionalidade social. Trata-se, portanto, de uma forma moderna por excelência. No Brasil, entretanto, as relações sociais regidas pelo princípio da cordialidade[3] se encontram em um patamar ao mesmo tempo moderno e arcaico, cuja característica central consiste no embaralhamento das esferas pública e privada, sujeito e objeto, ordem e desordem, etc. Em última instância, tal regime de indiferenciação coíbe a formação de uma subjetividade reflexiva, matriz da autonomia, posto que o outro não se configura enquanto limite objetivo para o sujeito, mas é justamente aquilo que deve ser “devorado” pela consciência daquele que pode mais. A subjetividade se constitui na negação da alteridade, em que o sujeito não se confronta com outras subjetividades autônomas (na categoria de cidadãos), mas com uma coleção infinita de objetos à sua disposição. A matriz é escravocrata.
A marca dessa dialética profunda entre a norma e seu oposto, o indiscernimento problemático entre eu e outro que jamais encontra síntese – nem se instaura a ordem capitalista de fato, e nem a ela se abandona - estaria fixada nos objetos culturais, sentidos ao mesmo tempo como coisa alheia (por serem importados) e própria (por não haver, por exemplo, outra literatura possível) colocando uma questão de base – o descompasso - com a qual os autores precisam se haver, com o risco de mitificação – o que aparentemente acontece com Roberto Carlos. Eis a matriz das idéias fora do lugar. Daí a impossibilidade de totalização que a literatura e os demais objetos culturais marcados pela noção de autonomia possuem no país, com seu modo de constituição a partir do apagamento concreto do outro, equivalente no plano político ao modo de construção do país[4]. Esse descompasso entre matéria histórica e forma autônoma será o ponto chave de questões formais decisivas em nossa produção estética.
Nossa hipótese é de que a canção ocupa um patamar diferenciado em relação às formas autônomas como a literatura justamente porque seu princípio de constituição não se sustenta na noção de autonomia. A formação da canção no Brasil em seus primórdios deu-se em direção a um princípio heterônomo de constituição, ou seja, uma forma “aberta” em que os elementos externos participam ativamente de seu princípio constitutivo, não sendo possível a delimitação das características de um dado gênero exclusivamente a partir dos seus elementos estruturais internos[5]. O pressuposto formal da canção não é o sujeito burguês, mas justamente aquele outro que se desloca desse padrão, sem contudo negá-lo (pois, para o bem e para o mal, somos ainda burgueses), o que relativiza justamente o problema da importação de modelos, matriz das críticas feitas a Roberto Carlos. A norma da canção é a síncope, o ritmo contramétrico. O maxixe, não a polca. Sua forma é constitutivamente inorgânica, e o cancionista, um malabarista. A inorganicidade é ponto de partida, não resultado.
A grande inovação trazida pela canção brasileira foi, portanto, a criação de uma linguagem estética que guarda em si a possibilidade de que “todos” falem (o mesmo princípio da roda de samba, que se mantém formalmente)[6]. Essa abertura, esse modelo heterônomo de organização do material estético – cujo grande avanço se faz sentir na inclusão decisiva daqueles que tradicionalmente não tem voz – é, segundo nossa hipótese, a principal responsável pela potencial estético da canção popular, base de sua originalidade e força. Modelo que se afasta da concepção de autoria proposta pela MPB, utilizada para desqualificar a produção estética de Roberto Carlos.
Não se trata aqui de definir qual modelo é melhor ou mais produtivo que o outro. Ao contrário, ao demonstrar a existência de modelos distintos de estruturação formal no plano da canção, a questão mais interessante é justamente a impossibilidade de redução de um ao outro, posto que da perspectiva heterônoma do samba, por exemplo, a MPB pode ser considerada uma espécie de retrocesso, o que seria um absurdo. O mesmo acontece com RC. O conceito de autoria não é generalizável para toda a canção brasileira, sendo bem localizado em um momento específico da nossa história, em alguns autores determinados, o que complica a noção de que as grandes obras são unicamente aquelas que compartilham desse princípio de estruturação, ou que só a partir dele seria possível construir um princípio de reordenação local dos elementos formais.

[1] Só a título de curiosidade, um dos primeiros compactos de Roberto Carlos continha uma canção de ataque frontal à Bossa Nova, “Fora do Tom”: “Não sei, não entendi\vocês precisam me explicar\seu samba é esquisito\não consigo decifrar\na escola eu aprendi\e música estudei\mas seu samba ouvi\e na mesma fiquei [...] no tom que vocês cantam\eu não posso nem falar\nem quero imaginar\que desafinação\se todos fossem iguais a você”. Um tom de ataque paródico e mordaz que seria radicalmente rejeitado por Roberto, o bom moço, logo em seguida.
[2] Uma análise profunda dos traços inovadores, assim como das possíveis influências dessa batida pode ser encontrada em GARCIA, Walter. Bim Bom: A Contradição sem Conflitos de João Gilberto. São Paulo, Paz e Terra, 1999.
[3] HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
[4] Toda essa discussão está presente na obra fundamental de Roberto Schwarz. SCHWARZ, Roberto. As idéias fora do lugar. In: Ao Vencedor as Batatas. São Paulo, Editora 34, 2003.
[5] Veja essa discussão com relação ao maxixe em MACHADO NETO, Carlos Gonçalves. O Enigma do Homem Célebre: ambição e vocação em Ernesto Nazareth (1863 – 1934). Tese de doutorado apresentada ao departamento de Letras da USP.
[6] Princípio estético tornado possível principalmente por conta de três princípios básicos de constituição – e aqui seguimos as indicações fornecidas pelo trabalho seminal de Luis Tatit: o desenvolvimento de uma linguagem baseada no princípio de estabilização do modo de dizer do português brasileiro em uma forma estética que não perde de vista seu lastro entoativo; a não-institucionalização do saber necessário para o domínio dos procedimentos destinados a confecção da canção, responsável por seu alto grau de penetração e organicidade em um país marcado pelo profundo afastamento da sociedade do campo dos saberes formais; e o grau de desenvolvimento dos meios de produção da sociedade e o desenvolvimento da indústria fonográfica, responsável pela possibilidade de gravação do registro oral diretamente, sem a necessidade de formas de mediação escritas.

[1] Como aliás, é um movimento comum na trajetória de RC. No final dos anos 60, a partir do dilema colocado pela canção engajada de aproximação com o popular, alguns artistas da MPB procuraram se apropriar do poder comunicativo do artista, tentando uma espécie de diálogo por meio da questão negra, a partir da então emergente Black music nacional, que tem em RC – um branquinho do Espírito Santo - um dos seus pioneiros, ao lado de Erasmo. Mais contemporaneamente, com a dissolução do projeto central da MPB (que é também a realização de uma de suas vertentes, comandada por Caetano Veloso) e a consequente dissolução dos limites estritos de seu público consumidor, tenta-se uma nova aproximação entre a popularidade do cantor e outros nichos consumidores, como o público jovem (o bem sucedido acústico MTV) e a classe média MPB (o disco em que RC e Caetano – o mais pop dos artistas da MPB – cantam Tom Jobim).
[2] Nessa linha evolutiva estariam envolvidos todos aqueles artistas que contribuíram para a formação da canção brasileira, uma forma estética que comporte em si, esteticamente formalizadas, as contradições do processo histórico local. É dessa forma que explica-se como João Gilberto, mesmo fazendo uso de procedimentos estrangeiros em seu processo de composição, conseguia manter a excelência da sua obra, posto que tais aspectos eram ressignificados no interior de um sistema conectado com o sistema cancional brasileiro, atualizando-o. É nessa medida também que a própria obra de Caetano Veloso, radicalizando o procedimento, encontrava uma justificativa formal e política, em um momento histórico em que essas questões eram avidamente discutidas.
[3] ADORNO, Theodor. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: Os Pensadores – Adorno. São Paulo, Nova Cultural, 1999.

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