quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Razões estruturais para o insucesso de Ed Motta - Continuando a Pendenga

Pois é macacada, seguindo em frente com a pendenga, mandei um mail respondendo algumas questões que o cara colocou, ratificando algumas coisas que eu tinha colocado no post. Por enquanto é só, mas quando aparecerem mais questões a gente vai dando notícia.

Salve mano!

Eu acho que tem tudo a ver o que você falou, mas o padrão de música americana que eu acho que não pegou aqui foi a da black music, e não o pop rock. Esse pegou, e ce tem razão quando fala que o Lulu tem pouco a ver com o samba. E eu acho que o pop entrou de vez por aqui com o Roberto Carlos, que tem muito de Beatles e de música brega italiana. É mais esse o caminho do Lulu. Mas o black do Ed cria um canto-fala-improvisado que é estranho por aqui. Até tem uns calouros do Raul Gil que fazem, mas não ficam. Podem até vir a ficar, mas por enquanto não cola. Talvez porque a música mais negra aqui tenha raiz própria, diferente do pop. Ou é só questão de tempo mesmo, sei lá. Até o funk virou outra coisa aqui. Mas acho que pro pop essa idéia de "local" não faz mesmo muito sentido. O pop tem a vocação para universalidade. Apesar de que o pop do Roberto Carlos é muito brasileiro, e segue inclusive certa tradição de samba canção, que já é samba com uma porrada de outras coisas – bolero, tango...

O Ed até que tem reconhecimento, e Manuel de fato estourou, mas não chega nem perto dos outros que eu falei, como Tim maia, ou mais recentes, como Seu Jorge. E mais longe ainda de Ivete Sangalo e afins. Mas ele tem reconhecimento de certo setor, é verdade, tipo Simoninha ou Max de Castro. Mas não o sucesso que o pop dele pressupunha - público de massa. De novo pensando a partir do Tim Maia, e da black music local. E, principalmente, os "avanços" que ele criou não geraram "frutos". Segundo o Tatit, seguem sendo metalinguagem, e não constituiram uma linguagem, com novos desdobramentos, mesmo que de massa, como os "avanços" de Gil, Caetano, Robertão, Daniela Mercury, Raça Negra...

Eu acho que o Djavan tem um toque samba forte, especialmente na linha melódica, e é o que o difere positivamente do Vercilão e afins, fazendo dele melhor. É o que vai fazer as canções dele permanecerem, e as do Vercilo sumirem. Não porque tem algo de nacional, ou local, mas porque tem mais elementos formando uma relação mais rica e complexa. Não que não possa haver caras que façam um som totalmente americanizado e que façam sucesso, e permaneçam sendo bons, mas no caso do Ed eu acho que a explicação (porque, sendo tão bom, não virou o Tim Maia?) passa por aí, e não só por uma questão de momento. O Lulu mesmo tem menos de samba do que o Lobão - eu sabia que “Me Chama” era um pagode antes do João Gilberto - e Renato Russo, embora eu acho que eles seguem uma linha de música passional brasileira que é mais internacional, mas também é bem antiga, pouco valorizada e nada estudada. E principalmente, tem uma prosódia brasileira (nenhum deles iria trocar o acento das palavras tão radicalmente quanto o Ed Motta. Só o João Bosco, mas em nome de uma estética mais afro-brasileira que tem aceitação local maior) de que não abrem mão.


A raiz do pop brasileiro é Beatles, e não Ray Charles, Marvin Gaye ou James Brown, a raiz de que bebe o Ed Motta. Sim, o rock tem também uma raiz negra, mas essa se ramifica em estilos bem distantes - Sarah Vaughan e Madonna, Beatles e James Brown. Acho que faltou esclarecer melhor o estilo americano a que eu me referia.

Muito interessante o lance da Bossa ter possibilitado a abertura do padrão brasileiro de trato melódico. Desse modo, foi a Bossa que possibilitou o ieieie... rs. Vou adotar o raciocínio.

Pode ser mesmo uma questão de timming do Ed, mas a meu ver não se canta com padrão black americano no Brasil até hoje, e acredito que por uma razão histórica. Não temos nada parecido com Amy Whinehouse, nem com Michael Jackson – a não ser o Michael Jackson da Xurupita. Tivemos muito bel-canto italiano, que se misturou ao pop Beatles e formou nossa linhagem romântica moderna – brasileira sem vir do samba. O Ed Motta seguiu outro caminho, e patinou. Mas a linhagem Roberto Carlos é tão "local" quanto a linhagem Noel Rosa, seguindo caminhos bem distintos. Pensando bem, na verdade tem até relação com o samba sim, mas um samba já bem diverso da linha Noel e da turma do Estácio, já na linhagem do samba canção.
O "manual" é bom pra caralho, eu também acho. Não queria que o texto passasse uma impressão de que eu acho o cara ruim. Só quero especular sobre razões pro trampo do cara não ter colado sendo bom, para além daquele papo de músico mané falando que o povo não entende música sofisticada. Porra, mais sofisticado que Jorge Ben?
Eu também não estranho a guinada do cara. E também acho que ele mudou porque seu pop não colou - pelo menos não a ponto de fazer escola, de ser um manual prático para bailes. O baile que colou foi outro, proibidão - que também não segue padrão samba, mas está se aproximando. Mas ele de fato pegou com esse público "nova MPB", que é na verdade um pop cult, para um público restrito (tipo o mercado gospel, que faz as mesmas coisas que o mercado do demo, só que com alterações temáticas). Vou mudar o nome do artigo para "Razões estruturais do insucesso popular de Ed Motta".


O baile que pegou por aqui.

Essas questões são bem complexas, né? Eu concordo com você quando fala que melodias descaracterizadas são a tendência atual. E digo mais, a música popular urbana, por se tratar de uma arte industrial, tem essa descaracterização em sua raiz, daí a incongruência (pra mim) de falar em um gênero tipicamente brasileiro. Porra, o maxixe não é decodificação da polca européia? Por outro lado, tem algumas coisas e, dentre elas, segundo o Tatit - e que eu acredito, por enquanto - certa prosódia, absolutamente aberta (pode ser Itamar ou Francisco Alves), mas ainda assim presente, e outros elementos locais dos quais não se pode escapar sem correr certos riscos, pro bem e pro mal. Pra mim, seria ótimo que o projeto Ed Motta tivesse dado certo, (porque o som é uma maravilha), mas a adequação histórica é cobrada de um jeito ou de outro. De novo, os Smiths e o The Cure tiveram que dar uma caída pra passionalização via Robertão pra criar um pop de bom nível aqui no Brasil, com o Legião Urbana. Até o Sepultura teve que ir pro meio dos xavantes - se bem que eles não fazem exatamente música brazuca. Pro mal e pro bem, porque o país não é lá essas coisas. Por isso eu acho que o problema não é essa arte dizer respeito à vida profunda do país (esse conceito ainda serve?), porque o capital se universaliza se particularizando e ela vai dizer respeito a isso de um jeito ou de outro, sendo boa ou má. Mas, nessas condições, o que é ser boa ou má? Sei lá, mas eu não sou tão pessimista e acho que continua se fazendo grandes canções locais, em quantidade maior do que antes, inclusive.

Abraços

Um comentário:

  1. Olha, gostei bastante da postagem, mas discordo em alguns pontos.

    Discordo que o "ie ie ie" tenha surgido somente pela nossa Bossa Nova.

    Eu diria justamente o contrario, a bossa surgiu pra tirar o esteriótipo americanizado que pairava por aqui e abrasileirar mais nossa musica.

    E discordo também de chamar os Beatles de "Pop". Os Beatles tocavam "Rock" em sua forma original.

    As chamadas bandas de "Rock" de hoje em dia é que não tocam o mais puro e simples Rock n' Roll dos Beatles.

    Sobre o Ed Motta, sim, seu som parte da linha Black/Funk americana.

    JAMAIS Ed Motta fará o sucesso que seu tio fez, até por que Tim Maia "trouxe" o soul pro Brasil quando voltou dos EUA, ou seja, era a mais pura novidade aqui no país.

    Já o Ed Motta mistura bastante os ritmos do chamado Soul Music, em suas musicas nós vemos Além do Soul, o Funk e MUITO do Jazz. Eu me atrevo dizer até que de uns tempos pra cá o Ed Motta ta mais Jazzistico do que Funkeiro rs.

    Enfim, contudo, gostei bastante da postagem do blog. Abraço amigo!

    E quando puder da uma passada lá no meu Blog: danielnayre.blogspot.com

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