quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Os fantasmas de Jorge Ben (III)



LEIA TAMBÉM (PARTE I) e (PARTE II)

Transição (1976-77) - O fantasma de George Clinton
Finalmente deu-se o famigerado encontro, um dos mais lamentados até hoje na história da musica brasileira pela crítica e pelos fãs do Jorge original. O casamento de Jorge Ben com a guitarra elétrica. O fim de uma época e o começo do declínio, quando Jorge opta por uma linguagem mais pop e aposta em formas de dizer já consagradas, ao invés de estabelecer relações originais entre canto e acompanhamento, seu talento mais extraordinário. O preço pago por ele é ter de repetir indefinidamente as maravilhosas pérolas criadas nessa época, enquanto que as músicas novas caem no esquecimento tão logo são lançadas, com algumas exceções.
Mas o momento exato do encontro ainda guardava algumas surpresas, e África Brasil é a meu ver um dos discos mais importantes da história da nossa música. Isso porque nela simplesmente Jorge realiza a operação mais complexa de se efetuar em termos de musica popular, que seja, traduzir um gênero de seu país de origem para outro. Na verdade, essa tarefa é impossível, e os obstáculos são similares ao que acontecem ao se tentar traduzir poesia. É claro, em música sempre se podem criar gêneros intermediários que podem ser transpostos, como a Bossa Nova que um gringo consegue transpor no lugar do samba, que é impossível. Mas a tradução completa e fiel de um gênero para outro país não é possível. Não vai pegar. James Brown, Marvin Gaye, são intraduzíveis. Por isso, só um cara com o talento, o ouvido absurdo e a genialidade de Jorge Ben para criar a versão brasileira definitiva do que seria o nosso funk. E não a toa ele tem samba no meio, assim como o funk, o rock, a psicodelia.
África Brasil(1976) é um disco completamente diferente de todos os anteriores de sua discografia. Um disco irrepreensível. Começa porrada rock n’roll, vai entrando no terreno conhecido do samba-funk, ainda mais explícito e violento por conta da guitarra e fecha com duas funkeiras violentas. Talvez o único porém do álbum é ter dado o passo inicial para que Jorge se desvirtuasse. Mas o cara precisava ganhar dinheiro, e já havia dado uma contribuição maior do que grande parte do que existe por aí. Deixa ele fazer o que quiser em paz. As músicas inéditas são excelentes, as regravações são matadoras. Os arranjos são assinados por José Roberto Bertrami, do grupo Azymuth, e a banda de apoio conta com Bateria e Timbales: Pedrinho, Joãozinho e Wilson Das Neves, Baixo: Dadi, Piano: João "Bum", Teclados: J.R. Bertrami, Surdo: Luna, Cuíca: Neném, Percussões: Gustavo, Joãozinho, Djalma Corrêa, Hermes e Ariovaldo. Nos metais: Oberdan e Marcio Montarroios. Chega? Nessa fase nova a banda já assume uma importância central e as apresentações de Jorge na verdade são bailes. O disco é o apogeu, depois disso, declínio. Cessa a produção que vínhamos descrevendo até aqui, e começa outra, mais pobre, preso a convenções de gêneros vendáveis já existentes, ao invés de reinventar seus próprios padrões de venda.
O disco seguinte, “Tropical” (1977) ainda possui interesse por tentar enquadrar as excelentes composições anteriores no novo estilo, já aqui sem o experimentalismo do disco anterior. Mas traz músicas muito boas das antigas, e uma banda em ótima forma (ainda não é a famigerada Zé Pretinho, mas um groove pesado, sem aquela pegada quase axé) e a versão meio funkadelic de “Chove Chuva” é de fato excelente. É um disco gravado e lançado na Inglaterra, tentando aproveitar a ótima cotação do artista em terras estrangeiras. Deu certo, pois o cara nunca mais deixou o certo para o duvidoso, e virou o que se chama cover de si próprio.

Terceira fase (78-1986) – O fantasma de Jorge Ben
E assim chegamos no Jorge Ben de hoje com melodias mais simplórias e de relações fáceis com o todo da música, pegada mais quadrada. A mistura, quando existe, já não é tão rica, é mais preguiçosa, pobre, por vezes parece um sambinha convencional só que com guitarra, as vezes um Roberto Carlos mau feito. Nada daquele puta rock swingado misturado com cantos africanos geniais. É a fase da banda do Zé pretinho, em que a obra de Jorge caí em uma preguiça criativa que parece ser definitiva. Na verdade, acredito que a mudança pode ser definida estilicamente para um axé-rock, que é o que caracteriza o som atual de Jorge. Mas que não se iludam os mais afoitos: ainda assim sua obra é melhor que muita coisa da chamada MPB. Veja o disco de 1978, A banda do Zé Pretinho. Mas de fato já soam meio pagode, que já despontava e nos anos 80 iria surgir com força. É convencional, mas tem clássicos como Berenice e a homônima. Particularmente, pra mim que gosto de samba em suas várias vertentes e também de Black music, essa fase de Ben não representa o fim do mundo, uma tragédia. O disco de 1979 – Salve Simpatia, também é bom, entre o swing e o brega, que mercaria a partir de então o autor. E o Dadiva (1984) tem a primeira música, com o Tim Maia, que é uma pedrada, e outros momentos de muito swing.
Mas é que o próprio Jorge nos deixou muito mal acostumados, produzindo um conjunto enorme de obras primas. Mas mesmo nessa época ele continua experimentando em alguns momentos, como quando grava uma música com letra em Latim “Cantilenas de São Vitor”, bizarro. Porém nada daquela inovação orgânica genial. Basicamente seu sucesso sobrevive da apresentação das antigas composições, já na nova roupagem massificadora, que torna as musicas todas parecidas (Dizem as más línguas que por culpa do arranjador Lincoln Olivetti, que tornava tudo o que ele tocava idêntico, mas não há duvidas que tal aconteceu por desejo também de Jorge e de sua época). O som todo fica carregado, defeito dos anos 80, e a guitarra de Jorge é bem mais preguiçosa que seu violão.
Algumas musicas pós zé pretinho são boas, mas visivelmente se padronizaram. Jorge que lutou tanto para conquistar sua própria linguagem e ter espaço privilegiado na MPB, padronizou seu próprio estilo (que é ainda das coisas mais interessantes da MPB, portanto, ele pode) para uma forma mais descartável. Nada daquela relação mais racionalizada com a canção, derivada de João Gilberto(por mais que protestem), em que cada verso tem de ser pensado em relação à totalidade harmônica, melódica, etc... O Jorge atual preguiçosamente faz letras e insere em esquemas prontos, com o mérito desse esquema ser invenção sua, mas de onde dificilmente sairão novamente obras revolucionarias como “Take ease my brother” ou “Mas que nada”, “Hermes Trimegistlos”, “O homem da gravata florida”, etc...

Quarta fase (1989 - ?) - o fantasma de James Brown
Nos anos 90 vemos o retorno de Jorge Ben ao foco da mídia. É o momento em que ele muda o nome para Benjor, e que muitos lamentam como sendo a fase em que ele se descaracterizou. Na verdade, os discos desse período melhoraram muito em relação aos anteriores. A partir do Benjor (1989), ele volta a se encontrar com a inspiração, e isso se deve basicamente a um movimento: o reencontro com a Black music, aproveitando a volta do funk à moda, muito graças ao movimento Hip Hop. Marca também o encontro do artista com o produtor Liminha, um dos grandes nomes da época. Se por um lado ele não irá voltar a produzir obras-primas únicas como nos anos 60 e 70, ao menos ele irá reencontrar a força dos primeiros discos pós África Brasil, com ótimas pérolas feitas para dançar. Entre parênteses, é fato que a Black music salvou não só ao Jorge Ben, mas muitos outros artistas, novos ou mais antigos, como Djavan. Atualmente é a vez do samba bancar o salvador da MPB. O grande momento é obviamente o campeão de vendas Jorge 23 (1993), um disco cheio de groove e swing. Os arranjos mudaram, a banda mudou, Jorge voltou a liberar a melodia da base harmônica, de uma só nota. Em vários momentos desse disco Jorge não é samba rock nem samba funk, mas simplesmente Funk. Jorge se encontra com James Brown. Os disco seguintes continuam na mesma pegada (especialmente o último Reactivus amor est - 2004), mas sem a mesma criatividade, novamente pasteurizado. Aliás, acho que se não fosse a pressão das gravadoras Jorge só viveria de fazer shows, basta ver os intervalos cada vez mais longos no lançamento de discos. Mas acho que todo mundo concorda que está mais do que bom, não?

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