segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Batman X Supermen



O reino dos quadrinhos entra em crise a partir dos anos 80 – na verdade a partir dos anos 70 já vemos mudanças de concepção em novos personagens e formatos (Robert Crumb é dessa época) devido ao clima contra-revolucionário da época. Para contestar a arte dita elevada, nada melhor do que adotar o novo formato, mais popular. Mas essas mudanças atingem aqueles universos mais ‘tradicionais’ (especialmente a DC e a Marvel) a partir dos anos oitenta. Essa crise guarda semelhanças com a que atingiu as artes tradicionais na virada do século – os vários modernismos – guardadas as devidas proporções. Mas assim como lá, a base do problema está em um questionamento da idéia da consciência como chave para o conhecimento do mundo. O problema colocado pela pós modernidade – existe uma narrativa que pode ser aceita como ‘a verdadeira’, seja quais forem seus critérios – atinge em cheio a noção dualista de bem e mal que é a condição mesma de possibilidade dos heróis em geral. De repente, não se sabe mais - ou não se acredita tão facilmente – se aquilo que os heróis defendem corresponde de fato ao que é bom. De repente, Magneto não parece mais um louco. O Vietnam contribuiu para isso, e também o fim do socialismo ‘real’. Mesmo o discursos de direita descobriram que o que até então se chamava de O BEM era branco, capitalista, heterossexual, masculino, burguês... ou seja, bem determinado históricamente e nada universalizante.

Com isso, uma dúvida demolidora surge no mundo até então bem sustentado em seu auto-engano: será que os heróis estão fazendo o que é certo, ou são tão parciais e maníacos como seus inimigos. As respostas variam de um sim, apesar de tudo – como vimos mais recentemente em Tropa de Elite – até um não, o buraco é mais em baixo – como em Watchman. Mas o fato é que todas (e todas mesmo.. vide as séries crises nas infinitas terras, da DC, e Guerra Civil, da Marvel, que reformulou todo esse Universo) as personagens foram atingidas pela dúvida melancólica da pós modernidade. E não podia ser diferente com os dois maiores heróis dos quadrinhos, Batman e Superhomem. E as diferentes respostas dadas pelas personagens foi tamanha que de amigos que eram no início (a época de ouro dos quadrinhos) ele agora mantém um respeito à distância, com diferenças ideológicas marcantes e irreconciliáveis. O certo é que nessa disputa, a despeito do que afirmam alguns fãs, o morcegão se deu bem melhor. E não é apenas por uma questão de sorte por ter encontrado em seu caminho roteiristas e desenhistas mais criativos. Mas é o caráter da personagem, muito mais complexo, que permite um questionamento que no caso do Homem de Aço não pode ser feito. Super Homem age por amor à humanidade, e o AMOR está sempre certo. Caso ele não amasse os homens, ele simplesmente abandonaria o planeta. Veja bem – não existiria super homem – seria uma outra coisa. (Aqui um parêntesis - É esse o problema colocado em Watchmen – pra mim, o melhor quadrinho do mundo, justamente por ser uma história de heróis sobre a impossibilidade deles existirem, e por fazer um questionamento radical do pressupostos dos principais tipos de heróis existentes, apenas levando seus pressuposotos às últimas conseqüências. Por exemplo se Wolverine é meio homem, meio animal, porque ele não pode estuprar uma criança? E qual seria a reação dos vários interessados? Mas principalmente, seria ele ainda um herói? Ou então, se super homem é tão superior a qualquer mortal, porque ele não nos considera como vermes? A vida dele teria sentido se não existissem super vilões poderosos?) Portanto, o fundamento das ações do homem de aço não são questionáveis, e por isso ele é uma personagem mais simples, um herói clássico – tipo John Wayne.

O caso de Batman é mais complexo (tipo Mastroianni)... ele não age movido por amor, mas por ódio, por um trauma de infância que o leva a gerar uma noção psicótica de justiça que ele pode por em prática por ser milionário. Basicamente, Batman pode definir o que é bom ou mal porque é rico e consegue bancar sua insanidade. O fato de ser extremamente inteligente – e é preciso questionar que tipo de inteligência é essa – não indica que ele está certo, mas apenas que ele consegue convencer melhor a si mesmo – e aos leitores – de que o seu é o ponto de vista da verdade. Se Batman age em nome de si próprio por sadismo, onde fica o seu heroísmo?

Os quadrinhos que discutiremos abaixo são fantásticos justamente por colocar, de modos distintos, um questionamento sobre a validade das ações de Batman. E se o morcegão não fosse tão diferente assim dos bandidos que ele persegue incansavelmente? Ou ainda, e se fosse ele o principal responsável pela existência desses bandidos? O problema se desloca e deixa de ser uma questão bem x mal para concentrar-se justamente no borramento das fronteiras. Onde termina um e começa outro... sanidade e loucura, certo e errado, particular e geral.

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