terça-feira, 12 de junho de 2007

Sopro de criatividade no rock 80



Costuma-se chamar os anos 80 de década perdida em vários sentidos, seja político, economico ou cultural. No cenário mundial, o capitalismo finalmente venceu (terá sido ameaçado um dia?) e a periferia quebrou de vez, ficando impossibilitado todo o ideal desenvolvimentista anterior - nosso fim de século. O forte movimento de contracultura que buscava remodelar o cenário da época e ampliar o expectro da normalidade na sociedade havia sido assimilado enquanto 'moda', e perdido seu carater de contestação inicial - curiosamente, a partir dos anos 90, os jovens retrocederam e passam a defender a caretice e a vida saudável, restando das reivindicações daquele momento principalmente a questão da liberdade sexual, desta vez assumidamente em seu caráter mercadológico. O tipo de som que surgiu nesse período e ajudou a categorizar um tipo social novo, denominado juventude, e dar forma a seus anseios e reivindicações foi sem dúvida o rock.

Inicialmente ingênuo, ligado a uma espécie de diversão descompromissada (pensando já nos Beatles iniciais, radicalmente diferente e mais conservador que a explosão sexual dos ritmos negros que lhe deram origem, e que ainda se podia observar no Elvis magrinho), aos poucos o rock foi se ligando as reivindicações dos movimentos de contracultura (feminismo, negro, hippie, etc...) e se tornando mais politizado, pregando uma alteração dos padrões sociais que tomariam forma a partir de uma alteração no modo de percepção do real (psicodelismo). Aos poucos essa postura foi levando a uma maior consciência do rock enquanto expressão artística, que passou a ser privilegiada seja nos solos intermináveis do metal, seja nas construções complexas (e muitas vezes sem graça) do progressivo, deixando de lado o aspecto de Movimento reivindicatório, que por fim seria recuperado pelo movimento punk, já com outro caráter. Não mais alteração da consciência, mas revolta contra o mundo, na maior parte das vezes sem projeto de transformação - o que consequentemente levaria os músicos a abandonar as guitaras e pegar em armas, como aconteceu com o Rage Against.

A partir dos anos 80, essa 'atitude rock n´roll', de rebeldia e inconformismo, ou ao menos uma reivindicação pela pureza do gênero - o verdadeiro rock n´roll, que movimentava toda uma indústria de padrões de comportamento (e que portanto, sempre foi mercadológica, sobrevivendo ainda hoje em alguns estilos como o punk e o metal) - o rock enquanto movimento foi substituído por uma postura de maior aceitação e abertura, permitindo a fusão com inúmeros outros gêneros e influências. Até aí nenhuma novidade, pois o rock sempre foi formado a partir da fusão com outras vertentes musicais (como o Jazz, o blues, o folk). Acontece que, por isso mesmo, ao se deixar de marcar uma diferença, um limite fictício que se alimenta não só da música mas de outros elementos como vestuário e reivinicações, o rock deixa de existir e se enquadra na categoria guarda chuva do pop em geral. Daí a semelhança cada vez maior entre os vários estilos, o metal com vocal romantico, o punk que parece música sertaneja, etc. O rock como tal morre, como vinha sendo ensaiado mais ou menos desde o seu nascimento.

No Brasil, o rock teve desdobramentos múltiplos e bem interessantes, que acompanham e subvertem o seu ritmo geral. Começou com a trasposição algo mal feita do ieieie pela Jovem Guarda, para em seguida se aproveitar do tom de liberdade da psicodelia para alterar os rumos da MPB a partir da tropicália. Nos anos 80, o movimento é novamente copiar e colar, com letras em português e sem alteração musical considerável, só que agora tratando das duras condições de sobrevivência do jovem no mundo, e da degradação deste. Considerações em parte realista, em parte também importadas - haja vista que o grau de ingenuidade e descolamento da contestação do punk é patente quando confrontada com uma letra de Hip Hop. Daí a sensação geral de pobreza desse movimento - que nem chegou a se contituir enquanto tal, com excessão talvez do punk, (e sem dúvida sem a força que teve em seu país de origem, pois aqui se passou da malandragem para o bandido, sem passar por essa figura intermediária de classe média) - que teve a virtude de trazer para o país o conjunto da produção estrangeira em voga no momento - mas que só seria ressignificado musicalmente, ganhando aí sim relevância estética, a partir dos anos 90, pra variar com a cena nordestina.

Todo esse blablabla pra apresentar dois discos de rock brasileiro da década perdida que, acredito, são trabalho muito bons, cada um a sua maneira, contrastando com o sentimento geral de porcariada sem sentido (malditos sintetizadores).


O primeiro é esse discaço do Lula Cortês, cabra que juntamente com o Zé Ramaho, faz parte da cena psicodélica nordestina, apelidade de udigrudi, voltada para o rock´n roll acrescido de elementos regionais e místicos orientais. Esse disco tem uma sonoridade bem próxima dos trabalhos do Zé Ramalho, com enfase no violão acústica e um canto meio recitativo. O experimentalismo dá a tônica, tendo sempre o rock pop por base - o que o diferencia e o torna menos radical, o que não implica em juízo de qualidade, que o famoso Paebiru: forró psicodélico, balada, folk, raga tradicional, samba-rock com base de rock e não de funk, como é mais comum, frevo rock e até um riff meio black Sabath pra fechar com chave de ouro um belo disco. Trata-se na verdade de uma espécie de grito tardio da psicodelia, algo alheio às letras de protesto e musicalidade pobre que infestavam o cenário rock´n roll da época.

DOWNLOAD: http://d.turboupload.com/de/732327/su4na4yomn.html#



O segundo não precisa de muitas apresentações... vendeu que nem água e transformou os Titãs do ieieie, um grupinho bem chato que não sabia muito bem o que queria da vida nos Titãs... um grupo chato mas que teve alguns bons momentos até o Arnaldo se mandar. Nesse terceiro disco os caras finalmente acharam o rumo, que foi assumir de forma mais orgânica a heterogeneidade de gostos, influências, etc, que era já a característica do grupo. Ao invés de fixar uma identidade, colocaram a fragmentação a seu favor. O grupo reunia um pesquisador amador da história da música, um garoto meio fresco interessado em poesia contemporânea, caras que não tavam nem aí com nada, os que tinham sensibilidade musical e as toupeiras, os que queriam revolucionar e os que queriam ganhar dinheiro e comer as gruppies. Juntou tudo, transformou em mercadoria, e gravaram aquele que talvez seja o mais interessante album de rock dos anos 80.

Pra começar, não é só mais um disco de rock, mas uma espécie de mapeamento de várias tendências do rock feito no Brasil no período, por aquela juventude burguesa das grandes cidades, executando-as com bastante competência. Ska (família, homem primata) punk (Igreja, polícia), hardcore (a face do destruidor), música eletrônica (O que), o rock funk de alguns grupos brancos americanos (bichos escrotos), e até experimentalismo (Cabeça Dinossauro). As letras ora ingênuas, ora mais críticas, as vezes também experimentais. O disco conjugou e sistematizou o que se produzia na cena rock nacional, de forma muito competente. Pouco tempo depois, o Rock Br perderia força, com a Industria fonográfia se voltando para a reprodução em massa de ritmos brasileiros pasteurizados. Aí caberia ao pop rock - de outro tipo - retirar nossa produção musical da mediocracia.

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